quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Paper Planes

Essa tua coisa de voar, de sempre tá falando em voar, em sair por ai pelo mundo sentindo todos os ventos, todos os ares, eu sempre me retive muito pé no chão. Acho que se um dia tu fosse mesmo voando eu ia só te seguir correndo, contemplando, sorrindo alegre da vida de te ver realizando teu sonho de tanto tempo.

Eu nunca dei atenção, porque pra mim era tão normal te ver cheio de sonhos, aspirações, pra mim era só mais um deles, ficava te olhando admirada, escutando tuas fantasias tangíveis e te amando mais e mais, teus olhos brilhando quando tu falava tuas bobagens, e eu não ligava pra se tu falasse uma hora inteira essas tuas coisas, eu esperava, sem problema nenhum, admirada, sorrindo, tu terminar teu discurso pra me dar um beijo. Tu ficava olhando pro horizonte, pro céu, pros meus olhos, e dos teus saíam duas faíscas imensas, iluminando tudo com força fugaz. Quando tu olhava pro sol na linha do horizonte eu te juro que teus olhos brilhavam mais do que ele. Dai os céus iam ficando mais escuros e as estrelas iam aparecendo tímidas, tu ia desviando teu olhar pro céu rápido, e eu te juro que eu conseguia ver as faíscas dos teus olhos nas nuvens, como aquelas lanternas imensas que eles colocam perto de coisas importantes. Dai tu se virava pra mim, olhava nos meus olhos, aquele brilho invadia meus olhos, clareava até o branco, e tu não conseguia parar de falar, até perceber minha cara de maravilhada, ai tu sorria e o brilho ia se apagando, e me beijava forte, e eu era feliz e feliz.

Do mais a gente gostava de ficar perto daquela árvore, lembra? Que nem eu nem você sabíamos qual era, e que não colocava nem fruto nem flor, mas que tu chamava de macieira, por puro conforto do coração. Tu te recostava nela e eu ficava do lado, sem sequer encostar direito em ti, e íamos conversando, e tu ia tomando as rédeas da conversa, e logo tava falando das tuas coisas de sonho. Mas em especial, quando tu falava de voar.

Eu não me importava o que ou quanto tu falasse, eu só queria tá do teu lado, pra mim isso bastava.
Dai te ouvia e assistia, feliz da vida.

Tu falava dos insetos, dos pássaros, dos prédios, nesses tu sempre ressaltava o fato de apesar de atrelados ao chão, voavam sim, claro que voavam. Falava dos aviões, de tudo que pudesse alçar voo. Dai falava da tua vontade de voar por ai pra sentir e catar os ventos. Tu sempre te perdia nos teus discursos e falava de tudo como se eu praticamente não tivesse muito ali, ou como se eu fosse alguém novo todo dia. Nesse dia eu lembro que tu me surpreendeu.
No meio da tua fala de asas tu se calou e virou a cabeça devagar, como de costume, teus olhos de lanternas importantes entraram nos meus e iluminaram. Eu levei um susto pequeno por tu ter parado do nada, mas sorri de volta pra o teu... sorriso, eu acho que erra um sorriso, era sim, de ambição, mas de ambição boa, ambição por felicidade total, por liberdade sem limites. Tu te manteve calado e eu não ousei falar, até que tu soltou, continuando o discurso, mas sem tirar os olhos de lanternas dos meus: "Voar por ai pelo mundo catando e sentindo todos os ventos...voar... voar contigo... isso... voar contigo por ai, catando o ar e as ventanias, com meu amor.". Eu não pude conter meu choro, mas eu sequer mudei minha expressão, minhas lágrimas só rolaram soltas, e tu me beijou, sem perder o brilho dos olhos, mesmo com eles fechados, eu sentia a luz.
Depois disso, de uns dias pra frente eu fiquei sem te ver, não te achava, e nem tu me procurava, e foi se abrindo um abismo no meu peito, fui perdendo a vida devagar, sem conseguir te achar. Até que chegou um bilhete teu pra mim, num boque bonito que eu amei, li rápido, umas vinte vezes.

"Tu amor, tu vem comigo, vamo bater essas asas e roubar por direito as brisas, os ventos, as ventanias, as tempestades, tudo isso ai. Vamo ir voando amor, tu vem comigo, se não for contigo, não vai de jeito nenhum."

Eu, guiada por não sei o que, corri até a nossa árvore macieira sem nome pra te achar, é que de frente pra ela, tinha um penhasco enorme.

Tudo que eu achei foram milhares e milhares de aviõezinhos e garças de papel brancos com corações, "eu te amo" e meu nome, em todos. Absolutamente todos. Em volta da árvore, espalhados até o penhasco.
E lá em baixo, nas pedras, sendo lavado pelo mar, vi você, inteiro, encima de muita madeira, presa nas tuas costas, que te impediu de se destroçar nas pedras, mas te matou do mesmo jeito. Tu tinha asas de madeira, mas molhadas elas não iam funcionar.

2 comentários:

  1. Muitas vezes as coisas certas são as irremediáveis. Talvez aquelas pras quais nascemos e não conseguimos impedir de que aconteçam. AMEI O TEXTO!

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  2. Parabéns meu caro, seu talento realmente me surpreende a cada dia.

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