quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Uriel

Ela sempre teve esse olhar distraído, perdido em algum lugar ou em alguém. Se interessava especialmente por detalhes desnecessários. Como do jeito que sempre sorria ao ver as mechas roxas do seu cabelo curto, ou a sensação boa de olhar o céu da tardinha. Não era um anjo, mas também não era ruim. Era aquele tipo de pessoa que simplesmente não liga, não se importa muito, desde que o lado dela esteja garantido, e, mesmo não estando, ela continuava sem se importar. Deixava as coisas caminharem como quisessem, como deveriam ser. Não a confunda por egoísta, ela só não se importava muito com os outros.
Essa noite ela só queria ter bebido alguma coisa e ido pra casa, como toda a boa sexta feira. Quem sabe achar algum carinha gentil ou meio bêbado pra aceitar alguma coisa com ela. Odiava tanto seus quilinhos a mais, achava que só os bêbados ou os caridosos aceitavam ela. Parecia apagar da mente todos os caras bonitos e garotas desejadas que ela se enroscara.
Pediu uma cerveja e já ia sorrindo pra uma menina de botas no canto do bar quando um homem de barba muito bem feita e cabelo quase raspado sentou de pernas abertas do lado dela. Fingiu não ter visto ele, mas depois de uns dois minutos com ambos fingindo não se verem tão de perto, ele puxou assunto, ela olhou com seu melhor olhar de desdém e depois de pensar bastante tempo, mais ou menos uns 5 segundos, ela o considerou apto até pra uma transa, se tudo desse certo.
Conversaram uns quinze minutos sobre qualquer coisa e foram se agarrar em um canto escuro do bar. Entre um amassar e outro ela pode ver a moça das botas fazendo um biquinho de tristeza olhando pra eles, ela agora parecia muito mais bonita, ruiva e branca de pecado, Uriel perdeu totalmente o interesse no rapaz do cabelo ralo, com um pouco de esforço o afastou e disse que sentia uma terrível dor de cabeça, e com um pouco mais de esforço o convenceu a largar o corpo dela de vez e ir de volta pra o balcão. Muito frustrado, foi resmungando e sentou-se sem saber o que fazer depois dessa. Pediu uma Vodka. "Não não, a garrafa inteira, por favor". E começou a entornar.
Do canto escuro do bar, ajeitou a camisa e o sutiã e deslizou devagar e decidida até a garota de botas, sem tirar os olhos dos dela, esboçando um sorriso incontido. Chamou-a discretamente e foram até o quiosque anexo ao bar, para poderem fumar. Ficaram por volta de três minutos só se olhando, soltando risinhos, falando muito mais do que em qualquer conversa que ela tivera antes. A garota de botas chegou perto e respirou fundo o ar ao redor dela, sorriu e percebendo o rosto de curiosidade de Uriel, começou uma conversa fácil.
"Quer falar alguma coisa?"
"..Ah.. na verdade não... acho que já deu de conversa né?"
"Também acho. Então, vai pra onde agora?"
"Pra onde tu quiser, e tu, que ir pra onde?"
"Pra onde tu quiser me levar, gostei do teu cheiro, do teu corpo, pode me levar essa noite."
Sem falar muito mais, foram andando até a casa de Uriel, mas pararam na primeira esquina escura, acharam uma cobertura boa e quente, sem acesso direto da rua, não viram porque não, e começaram por ali mesmo. A pele da garota de botas tinha umas sardas tipo inocência, Uriel tinha cabelo preto e roxo do tipo malícia. Compatíveis, iam bem nessa noite sem estrelas.
Um cachorro que dormia no começo da esquina foi acordado por uns gemidos e foi andando embora devagar. Estavam se divertindo.


Enquanto isso um rapaz muito frustrado e de cabelo raspado saia, aos pontapés, expulso de um bar com uma garrafa de Vodka vazia na mão. Aquela gordinha não devia ter rejeitado ele, agora ele ia ter uma ressaca no dia seguinte, e droga, ele ia trabalhar. Foi andando devagar e achou um cachorro vindo no caminho oposto, com as orelhas baixas e ar suplicante. Aplicou-lhe um chute nas costelas e ouviu-o sair correndo aos ganidos. Parou perto de uma esquina, apoiou a mão na lata de lixo e vomitou a frustração e a vontade de viver pra fora junto com os dois burritos apimentados.
Com a cabeça quase explodindo, ele ouve uns gemidos. Ri por dentro e esboça um sorriso sujo por fora. Escuta mais alguns, fecha o rosto numa expressão intrigada e se interessa. Após uns minutos de contemplação daqueles belíssimos sons, ele resolve investigar.
Fez barulho demais entrando na esquina.
Os gemidos pararam e ele viu elas duas nervosas, encostadas na parede, no meio de algo muito bom. Reconheceu Uriel e não pensou duas vezes em avançar a ela com a garrafa na mão, Uriel esquivou e a garrafa acertou em cheio a barriga da garota de botas. Um grito alto e a garrafa voa denovo, na cabeça do bêbado. Se recuperando rápido da tontura, ele corre pra socar a moça de botas e é contido por Uriel, leva uns bons socos e consegue se soltar, derruba Uriel com um chute na canela e avança para a garota de botas. Com muito esforço Uriel se levanta e pega a garrafa, quebra na lata de lixo e atrai a atenção do bêbado, que espancava a garota de botas. Perfurar o bêbado foi a coisa mais fácil que Uriel já tinha feito. Umas quinze vezes, dez delas depois que ele tinha caído. Uma boa poça de sangue e um homem morto. A garota de botas encostada na parede, com um olho roxo e umas marcas nos braços. Olhou fundo nos olhos de Uriel, e antes de sequer esboçar um sorriso, percebeu que ela avançava rápido demais.


Uma vez que se começa, é difícil parar, mas Uriel não sabia disso, e depois de perfurar a garota de botas pela décima segunda vez, se perguntou no meio de um riso nervoso e totalmente sem razão:
"Que merda tu fez, Uriel, que merda?"
Então riu um pouco mais.

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