quinta-feira, 20 de outubro de 2011

De vazio e solidão

Era uma vez, a muito tempo atrás, um pequeno duende, ruivo e sardento, pequeno e robusto. Vivia sempre nos fins de Arco-Íris desde que pode se lembrar, na espera de alguém para lhe tomar o ouro e lhe libertar deste dever que o impede de correr livre, brincar, comer e aproveitar de tudo.
Por anos o duende avermelhado levou essa tarefa com orgulho e vontade, esperançoso de logo se libertar, de logo enriquecer algum casal de jovens amantes, algum velho pobre ou um intrépido jovem aventureiro que ousasse agarrar o arco-íris. Anos passam e tudo se transforma.
Com o passar do tempo o duende foi se enrugando, ficando barrigudo, murcho e feio, perdendo juventude mas mantendo-se imortal, sempre esperando por alguém que viesse levar o tesouro, o pesado pote de ouro. Anos a fio ele aguardou com paciência e esperança até esses dois se transformarem em intolerância e ansiedade, um pequeno duende de barbas vermelhas e muito decepcionado. O tempo transformou a admiração do duende por sua tarefa em desprezo, e a solidão virou avareza, o pote de ouro batia mais que seu próprio coração. Duende de pura amargura e avareza, se ninguém vinha reclamar o tesouro e se ninguém vinha reclamar sua liberdade, ora, que tudo o que ele conhecesse fosse dele logo de uma vez.

Em um dia de muita chuva e trovoada o Duende se lembrou dos dias em que esperava pelo aparecimento do arco-íris na esperança de se libertar. Agora ele amaldiçoava e desejava que qualquer um que ousasse olhar para o arco-íris sequer pensando no ouro do outro lado, que morresse!
Ao termino da tempestade, lá estava o espectro multi colorido, o duende se revirando em raiva e ansiedade, mesmo na certeza de que ninguém iria até lá.
Para surpresa geral o duende vê, na curva do topo do arco íris, uma pequena sombra se aproximando, pulando, se aproximando, conforme se aproxima a sombra se torna uma menina pequena, sorridente, brincando com sua bola. Ao chegar ao pé do arco a menina cumprimenta o duende:
-Olá senhor, o que fazes aqui?
-Não é de teu interesse, ladra!
-Ladra? Lhe fiz algum mal, senhor?
-Pare de olhar meu ouro, pestilenta!
A menina, após de se debulhar em lágrimas sob o olhar tenso e incerto do duende, ouve do outro lado alguém chamá-la. O duende rosna:
-Saia de perto do meu ouro!
-..Seu bobo! Pra que eu quero essa coisa boba brilhante? Tenho minha mamãe, tenho meu papai, tenho meus bolinhos, pode ficar com seu ouro bobo.
O duende, estarrecido, se vê sem palavras.  A menina sorri em sua vitória e vai embora de volta pelo arco íris. "Mas que estorvo", pensa o duende. "Ainda bem que esta maldição há de logo se extinguir. Mas não parece ser um dia de sorte para o duende. Lá pela dobra do arco vem outra sombra. Um pouco maior, mais larga, conforme se aproxima o duende percebe o casal, dois jovens noivos vem caminhando.
-Vão embora, já fui muito perturbado por hoje, sumam de perto do meu ouro! Diz o duende enquanto pula em cima do pote.
-Mas porque eu desejaria seu estúpido ouro, ou desejaria perturbar seu estúpido ser, quando tenho o amor dela?
-Mas como eu poderia ousar algo além do amor dele?
Juntos, ambos dizem:
-Guardai teu ouro e casa-te com ele se quiseres, nós vamos embora. E seguem de volta pelo arco íris.
O duende se vê novamente derrotado e espuma em fúria. Como ousam, depois de anos de ausência, aparecerem todos em um dia só?
Pulando pelo arco vem uma sombra, bem menor que as outras, em pulos pequenos e rápidos. Logo se difere um pequeno pássaro amarelo que logo canta ao duende:
-Como vai, como vai?
-Vou bem sozinho e sem tuas perguntas idiotas, somes daqui de perto do meu ouro, miserável! Queres até ser igual a ele, imitando a cor! Ladrão!
-Se estás a dizer, que te iluda então, tenho tudo que preciso ao alcance de meu potencial, posso voar para me abrigar e coletar para me alimentar, posso amar e ser livre sem precisar de sequer uma dessas suas estúpidas moedas douradas.
-Vai-te, patife!
O pássaro canta e voa, sem se incomodar em nada de volta ao seu ninho. O duende, três vezes levado ao chão pelos seus agora jurados inimigos, está a ponto de explodir, vermelho e furioso, o arco íris ameaça sumir, mas nem isso o acalma.
Não há motivo para calma, eis que mais um ousa cruzar o arco-íris em um só dia. Desta vez a sombra vem ligeira e perspicaz, curta e baixa, em momentos se aproxima do duende uma raposa de pelo amarelado e olhos negros.
Trocam olhares mas não falam sequer uma palavra. Em um momento de tensão, a raposa se abaixa e prepara um salto. O duende se espasma em fúria e medo, se prepara pra defender seu mundo, seu ouro. A raposa pula por cima do duende e do pote caindo do outro lado. Logo o duende corre a ver quanto ela roubara e se depara com a raposa segurando uma lebre entre os dentes. Com a voz abafada e sem mudar de humor, a raposa diz:
-Achas deveras que viria até aqui por esses teus trocados, velho duende? Não é tudo que vale no mundo. Como podes ver, não preciso de ouro nem nada, não preciso de outros nem sequer de mim mesmo, sou o que sou e me faço auto suficiente. Se simplesmente desejo algo, vou e consigo, não preciso de ajuda, não preciso sequer deste teu estúpido arco-íris que acaba de sumir para me ir embora daqui. Fique por aqui agora, não bastando ter perdido a juventude graças ao teu amargor, agora perdes a imortalidade por ter perdido o arco-íris indo embora, torna-te em logo um corpo ao lado de uma pilha de ouro, outro avarento virá e tomará seu lugar, o mundo continuará a girar e nada há de mudar por causa de seus torpes desejos e ambições.
A raposa segue embora até dentro do bosque com seu jantar entre os dentes.
O duende, agora já sem juventude e sem imortalidade, se joga dentro do pote de ouro e afunda entre as moedas, avermelhado e desesperado, grita para que saiam de perto e de um ataque repentino morre dentro do pote, enterrando no fim de um então arco-íris toda sua avareza, ansiedade, paciência e esperança.

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