quarta-feira, 18 de maio de 2011

60.000.000 De Solitários.

Tudo o que você precisa saber é que você precisa sobreviver, não importa como.
Tudo que você precisa é amar, não importa como.

Não pense, ame.
Não vai errar.


O vento vinha em frias lâminas nos rostos de ambos, que de mãos dadas cruzavam o percurso que agora se fazia longo, entre a escola e a casa dele. Thomas andava em passos apressados e puxava Helena, mas ela não ligava, gostava, inclusive, dava um ar de estarem fugindo de algo.
De certo modo estavam.
Dentro de seus casacos e pela chuva intensa e fina iam agarrados e com passos curtos, ansiosos, seus corações pulando pra fora da garganta. Os 17 anos de Thomas eram os mais sábios do mundo para os 15 de Helena, e os dois se asseguravam, um no outro, se ele(a) não erra, eu também não. Não que nunca tivessem feito isso antes, mas sempre parecia que era a primeira vez, sempre que parecia que algo ia dar errado, e mesmo que desse errado no fim ia dar certo, e ai é que estava a graça de tudo. Helena suspirou levemente ao ver a casa de Thomas, a alguns metros. Agora ela puxava ele, e ele ria por entre seu cabelos que lhe caiam no rosto. Subiram as escadas sem pressa e se beijaram devagar, para espantar o frio. Thomas começa a tirar seus All-Stars e Helena seus tennis de skatista.
Quando a porta da casa de Thomas se abre, o calor aconchegante puxa os dois pra dentro e pra cima do sofá.

Esqueceu de fechar a porta. Pronto, fechei. E tranquei. Riram.

A garrafa de vodka foi aberta com dificuldade e entre lágrimas e beijos os dois foram bebendo o líquido ardente, e agora tudo melhorava, e não importava o que vinha depois nem o que veio antes, a intensidade do agora e o calor que começava a fazer naquele falecido inverno dava luz a qualquer dúvida. Dúvidas sequer existiam, não, tudo muito certo, o que mais pode existir de valioso nesse mundo?
As roupas começam a se fazer desnecessárias.
Helena dança com os olhos na tatuagem do braço de Tom, e os olhos dele dançam nela inteira.
Malícia, do melhor tipo, do mais inocente.
As mãos de ambos conhecem bem cada canto do corpo amado, e deslizam sem temor, nada dá errado, e quando dá, foi mais certo do que o certo em sí, e o suor começa a se fazer.
Os cabelos castanhos e curtos de Helena estão desembaraçados e ela se deita confortavelmente embaixo de Tom, os dois beijam a Vodka ao mesmo tempo, e riem, sem motivo, a vodka cai, molha o tapete, e os corpos nus.
Seus suores lavam qualquer culpa que pudessem ter, a respiração ofegante e os "eu te amo" soltados ao ar, perto do ouvido um do outro tornam tudo infinito, com toda a razão do mundo, intocável, majestoso. Os movimentos repetidos que nunca ficam tediosos se tornam uma dança, e, dois em um, eles se refletem e se amam, no mais primordial sentido da palavra, no mais transcendental e agudo sentido da palavra.
O mundo lá fora pode acabar mil vezes, tanto faz.
A rápida troca de olhares que re-afirma inquestionavelmente a certeza daquilo tudo, a ofegação desesperada, as vozes fracas e cheias de gemidos que parecem cantar alguma música que só os dois conhecem.
As janelas de vidro da sala de Tom estão embaçadas, e a chuva que cai na rua não desconfia que é feita vapor dentro daquela casa.


Do outro lado da rua, a única criatura viva ali, um gato, vê a mão de Helena se jogando contra o vidro embaçado, deixando a marca dos dedos e descendo vagarosamente, acompanhada por um grito de euforia, muito abafado. A cortina da janela se fecha e o gato se vai, rápido.
Ronronando.

4 comentários:

  1. "Malícia, do melhor tipo, do mais inocente..." ~~~*

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  2. Que texto mais excitante, meu deus. Cada dia mais perfeito, e esses detalhes, jogados e embaralhados fazendo o texto ficar tão aconchegante aos olhos do leitor. É, mais um texto maravilhoso, Seu Pedro.

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  3. Não canso de dizer que sou sua fã e admiro demais sua forma de se expressar. Você é um gênio, guri! Beijos

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  4. Na moral... Porque a porra da bebida é sempre vodka? Será que as pessoas acham que, culturalmente, a vodka é uma bebida fina? Porque pros meus amigos da Finlândia é que nem cachaça. Se compra em qualquer lugar a preço de banana. Mas esse não é o ponto do meu comentário, o que me deixa, de fato, intrigado em meio à toda essa literatura underground é o fato de as pessoas estarem sempre a beber vodka. Por que não 51? Por que não capirinha? Porque não uma maldita garrafa de Pitú? E é com esse "descarrego espiritual" que eu me entrego aos carnívoros.

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