quarta-feira, 25 de julho de 2012

Unfu

Do vale vem vindo uma imagem turva que não se julga ainda o que deve ser, por puro temer, ou não saber o que há de ser, se julga agora que se aproxima talvez por pura sina uma imagem feminina com traços de menina sim deveras se aproxima.

O olho aperta e acerta a imagem vem direta se de certo é uma pessoa não se sabe moça ou velha mas pelo andar e pelo jeito logo vai chegar.

Não me considero infortunado por não enxergar nenhum palmo por saber ainda sentir pude distinguir aqui e ali o que seria bom ou ruim, cheguei a conclusões conclusivas e a decretos certeiros, mas agora nada posso fazer, a poucos passos de mim está, a imagem feminina, que do vale se aproxima, velha moça larga ou fina, sei que é mulher e ensinar é o que lhe inspira - Doravante a palavra a mim dirige e em doces sílabas prossegue, sem rima, tom ou prece, apenas de minha surrada imagem se padece, largando suas palavras..;

"Velho do vale que de longe me admiravas, agora que aproximei-me de ti, vejo nata em tua vista, olhos vazios e rosto seco, serias deveras cego ou de fato morto sem enterro?"

"Em tuas palavras sinto-me confuso, de fato cego sem enterro, sem motivo, de meu lugar não saio, guio-me pelo que sinto, pelo que ouço, cheiro e percebo, mas tu me és impossível de julgar, se de fato te vejo, te cheiro, te sinto ou ouço, não consigo dizer se és jovem, moça ou velha, e prefiro não considerar se és morta ou viva, e por fim me pergunto que fazes em vale tão negro e sombrio?"

"Buscava algo e por divagação me esqueci, por certeza não sei se um dia soube o que quis, apenas vagamente me lembro de um forte vento que me acompanha ou me leva, como aqui vim parar, de onde vim ou para onde vou, não consigo lembrar ou imaginar, este vazio não ajuda a piorar a sensação de não estar em seu lugar?"

"Se consideras o vale, natural que o vejas vazio, mas se sentes essas paredes de pedra seca e sem sentimento pelas quais fino filete de luz e ar misturado a poeira fazem seu caminho até cá em baixo, bem cheia esta imensidão se encontra, ponto de vista ou opinião. Agora por fim, se intentas me dizes, sabe-se lá o que, já que andas sem memória e cá em baixo nesse vale não tenho histórias a contar."

"Como outrora disse, buscava e me perdi, vagueio e espero na ponta de meus dedos achar caminho talvez para fora daqui."

"A muito tempo não sentia dor, mas para dar tal horrível notícia a criatura de teu esplendor, sinto-me culpado, portador de um terror... De vale tão profundo e sombrio não há para fora um caminho, assim como não te lembras de como aqui veio parar, eu, por talvez puro azar, também não consigo recordar, a quanto tempo sentado devo estar, em velha cadeira de vime, recostado a divagar, pensar, esperar. Tenho somente uma coisa por certeza; não se sabe o caminho para cá, mas acaba-se chegando já, porém saída não encontrarás, isso sim posso afirmar."

"De onde vem tua certeza não importa, percebo aqui em mim que da verdade gosto, e ela sinto em teu falar, julgava pressuroso lhe levar, mas noto que quanto mais tardar, frutos tu possas me dar. Serventia, histórias ou memórias. Uma grande recordação de tudo que já se passou em uma alma, talvez. Ficai pois em teu vale, homem velho a divagar, julgar, culpar e pensar."

"Por meus escassos cabelos e meus ralos bigodes, porque, mulher, falais tal qual a morte?"

"Sou a vida, a sina, a morte divina, justiça definida, sou misericórdia e menina. Natureza ou surreal, mas de fato sou mulher. Tudo governo e força suprema sou, mas sobre ti, velho do vale, insegura estou. Sois imortal e onisciente - apesar disso inconsciente - levar-lhe da matéria deste teu corpo inativo seria libertá-lo, e para que ao meu poder, para que não possa ameaçá-lo, intacto o conservarei, escondido em teu vale, inofensivo e calado."

Suave e quieta foi, brilhante e radiante, mas sem luz irradiar, do vale saiu sem muito tardar, levitando e flutuando, sem precisar andar. Rancor não hei de guardar e sequer meu ego há de se inflar, por suas palavras haveriam de me agradar ou assustar, não me importa todo seu falar. Só não sairei de meu lugar, se por infortúnio ou alegria ela aqui voltar tentando escuro vale iluminar, apenas gentis palavas espero de novo poder trocar.


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