sábado, 6 de agosto de 2011

Você vai precisar de Jonas

Mesmo com o ônibus vazio ele insiste em ficar de pé, lá no fundo, perto da saída.
O dia mal amanheceu e o motorista mal acordou, mas lá está Jonas. As pessoas vão entrando devagar, abatidas, cansadas antes mesmo de trabalhar. Vão se acomodando e vestindo seus rostos de "não me dê bom-dia" enquanto olham pela janela ou para o banco da frente. Algumas ouvem música, outros lêem, outros sofrem, mas ninguém parece se incomodar com Jonas lá atrás, quieto, sossegado, de face longa e barba por fazer, só um garoto.
Na outra parada, mais pessoas sobem, ocupam os lugares que restam e outros vão ficando de pé. Entram estudantes e o ônibus parece ganhar vida. Ninguém se incomodou, mesmo sem nunca terem discutido isso, os passageiros gostavam da animação matinal que lhes era forçada pela gritaria das crianças.
Jonas não ligava, sorria de canto de boca e prestava atenção ao barulho.
O ônibus sai do confinamento das imensas paredes de concreto dos prédios ao redor e mergulham em um túnel cavernoso, com iluminação escassa. Novamente, sem nenhuma palavra, todos sabem do consenso e falam mais baixo para poder ouvir plenamente o zumbido do vento pelas paredes e aproveitar o calor.
Jonas quase some na penumbra, de tão magro. A luz no fim do túnel se intensifica. Todos esvaziam os pulmões.Ao fim do longo túnel, pelas janelas entra a orla, a calçada, a areia e o mar. Todos puxam o ar pra dentro, quase como em um ritual coletivo.
Jonas respira fundo, coça a barba e olha para o nada. Algumas pessoas descem, passam por Jonas, não ligam pra ele. Segue-se pra viajem e descem os estudantes, mais a frente as últimas pessoas descem, e no ponto final Jonas permanece.
Começa a segunda viajem do ônibus e poucos passageiros sobem agora. Jonas aproveita o vazio para ficar de pé. Uma estranha sensação de viajem no tempo e chegam no ponto final de novo. O motorista vai descer e olha para o fundo do ônibus. Um rápido calafrio, desce logo.
Jonas não liga e espera ele voltar.
Rodam juntos o longo percurso até o começo da tarde, e então entra outro motorista.
Entram outras pessoas.
Entram outros ares.
Saem motoristas, saem o Sol e pessoas e entra a noite.
Jonas permanece em seu canto.
Ao fim do dia, o ônibus retorna a garagem. Lá, então, entra o último passageiro do dia, o faxineiro.
Vai limpando cada canto do ônibus e varrendo tudo. Se aproxima de Jonas, que, educadamente, se afasta para a esquerda. O faxineiro varre onde Jonas estava e levanta a cabeça, arrepiado, com o velho coração em galope.
Jonas não liga.
O faxineiro desce rápido e fecha o ônibus, apaga as luzes e a garagem morre.
Jonas respira fundo, se ajeita em seu lugar e coça a barba.

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