Não conseguir fazer não é triste, triste é desistir antes de tentar.
O suor lhe escorria pela negra quadrada face, que agora lembrava algum monumento secular, resoluta e fechada em concentração. Os socos saiam fortes e com vivacidade, sem desgastar suas energias. O velho saco de pancadas feito de vários sacos de batata e areia começava a mostrar sinais de senilidade. Com o sol da recente manhã invadindo o pequeno cubículo que ocupava, o calor aumenta, e lutar contra ele seria inútil. Então é mais sábio se unir a ele.
Treinando debaixo daquele sol, naquelas condições tragicamente cômicas e com todo o turbilhão de desafios que cruzavam sua mente, ele soca cada vez mais intenso, fazendo mais barulho, machucando as mãos, para que com o barulho cale a própria mente.
Nascido sem pai e sem mãe, cresceu a vida toda em abrigos, e com 12 anos já se virava sozinho. Com muito esforço sobreviveu até o presente momento, como carregador nas docas. Bem, levando em consideração suas ambições como boxeador, um trabalho que lhe proporcionava exercício e alimento ao mesmo tempo era deveras cabível.
Ambições? Com vinte e tantos anos, treinando em casa e sem nenhum auxílio, tendo participado de escassas rinhas humanas no submundo da luta, tendo ganho não mais que 200 dólares e tendo perdido dois dentes, negro dentro de uma sociedade monoracial, sem estudo e bruto, que ambições? Não tinha um plano traçado, não almejava muito. Se satisfazia em tentar ser o melhor sempre. Claro que sonhava com holofotes, dinheiro e uma vida, ao invés da sobrevida que levava, mas não ousava nada além de sonhar. Continuava lutando, e o que viesse, viria.
Seus murros desordenados começam a se cadenciar juntos ao jazz que agoniza em baixo de sua janela, de dentro de algum saxofone surrado. Um murro mais esforçado e o saco de pancadas se desfaz e chora areia.
Parado e olhando para o chão, bufa, sem raiva, apenas cansado, e senta no colchão. Puxa a bacia com água quente pra perto e vai com cuidado retirando meticulosamente as faixas das mãos, lavando o rosto e respirando como se o mundo pudesse esperar. As notas sem vida invadem pela janela.
Essa noite haverá uma grande luta, num lugar pequeno, contra um cara grande, com apostas pequenas, grandes chances de se perder, pequenas chances de sair ileso, mas ele ignora tudo isso, prefere não pensar nisso. Pensar não leva a nada, já tinha pensado demais, costumava fazer isso, mas pensar só servia para entediar, entristecer e amargurar a força de vontade natural. Quando se está parado se está morto, seguir em frente sem desistir é a única maneira que ele acha para se manter vivo. Para se manter. Agora segue seus dias calado, falando tão somente o essencial para sobreviver, segue correndo atrás de alguma coisa, alguma coisa que dê sentido a isso tudo, porque se tudo se deturpou e nada mais é digno, resta ainda a ele a sua própria integridade e força.
Existem um milhão de maneiras de não se enlouquecer.
Keep on Shining - Shad
ResponderExcluirTão puro que sinto os golpes dos parágrafos como um one-two bem potente , Inspirador .