segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Reservoir


Existe esse restaurante, ele não é propriamente um lugar, uma localidade em sí, mas um conjunto. Nunca é tão grande que dê agonia ou tão pequeno que dê claustrofobia. As mesas e o cenário tem uma decoração extremamente requintada, e por mais que você preferisse estar em um bar de beira de estrada, vai gostar do ambiente.

Infelizmente não possui um endereço fixo, mas alguns dizem que ele vive em sua saudade, em suas memórias mais frágeis, e até mesmo em algum canto quebrado de sua mente.
Eles não entregam em casa e não fazem reservas, mas sempre que você os encontrar, eles terão o melhor lugar no salão separado para sua pessoa. Não se entra acompanhado, apenas sozinho. É um pré requisito para manter o tratamento de alta qualidade. O atendimento é sem igual e a comida, bem, a comida...


Como achá-lo?

Uns dizem que a maneira mais fácil é se entregar à solidão, é se tornar melhor amigo de sí mesmo e da massa enegrecida que vai crescer dentro de você durante esses longos dias de isolamento. Diz-se também para comer apenas pão sem sal e beber água, se abster de sabores durante um longo período. Não há um prazo estabelecido, sabe-se que cedo ou tarde você vai se sentir impelido a sair, e mesmo tendo passado dias preso em casa e comendo só o básico para sobreviver, você se sente inteiramente disposto para ir até lá, e, naturalmente, você sabe onde é.

Antes de sair de casa você põe uma roupa que julga adequada a uma situação deste porte, se barbeia ou se maqueia, se olha no espelho, confere as horas e senta em seu sofá, cadeira, cama, onde preferir. Ao piscar os olhos você estará caminhando por ruas que conhece, mas não vai se lembrar de como chegou ali.

Após longa caminhada a luz fosca do poste que fica de frente ao restaurante se insinua e você a segue.

A faixada é larga e o prédio é só um andar, grande e requintado. Ao chegar na porta o segurança lhe faz uma leve reverência, sem lhe olhar nos olhos, e abre caminho. O recepcionista tem um fino bigode e um sorriso pegajoso, o cabelo encharcado de gel e extremamente magro com sobrancelhas grossas e negras. Então ele pega sua planilha, retira um pedaço de papel vazio e lhe indica o caminho até sua mesa.

O salão aparenta estar vazio, ao longe, como a quilômetros de distância você vê outras pessoas sentadas, em grupos, comendo, rindo, se divertindo,  mas antes que você pense em se levantar para mudar de mesa ou olhar melhor a atividade da aparente festa um garçom altíssimo lhe contém com uma suave mão no ombro e lhe informa que seria falta de educação sair agora, uma vez que seu pedido já estava para chegar. Mas você ainda não havia pedido nada. Não? Mesmo? O garçom tinha a impressão que sim. Longo como um eucalipto e mais magro que o recepcionista o garçom então pergunta se quer olhar o menu ou se deseja o especial do da casa.

Intrigado você resolve olhar o menu e o garçom desliza ao outro lado da sua cadeira e lhe apresenta um menu aberto. Ele mesmo o segura para que você leia, e ele treme como se houvesse bebido café demais, você tem certa dificuldade para ler, mas consegue. No vibrante menu você distingue diversas opções e conhece todas elas, variantes de pão-com-ovo até lagosta ao molho de camarões, que você comeu uma vez num jantar de uma empresa que visitou. A tabela não mostra preços. Se pedir qualquer um deles o garçom lhe informará que não estão disponíves, e, curvando o corpo como um guindaste ele lhe informa que o especial da casa é a melhor pedida, o preço é modesto, o sabor incomparável e se não estiver disposto a provar, pede-se apenas que se retire gentilmente e nunca mais volte.

Então você toma a decisão. Pode levantar, se retirar e nunca mais voltar, ou ficar e provar o especial da casa, com seu modesto preço e relativo vantajoso custo-benefício.

Se for embora e tentar retornar ao lugar repetindo o dito processo outra vez, falhará terrivelmente.

Se ficar terá todo o tempo do mundo com a longa face paciente do garçom a lhe encarar a mais ou menos 15 centímetros de distância, quase dobrado para lhe encarar, até tomar sua decisão. Então por fim você pede o especial da casa. O garçom se ergue com agilidade e as luzes do teto aumentam e abaixam. Em um minuto o garçom retorna com uma bandeja e põe sobre a mesa. Antes de levantar a tampa o garçom questiona se realmente quer o especial, e lhe informa que na bandeja se encontra o preço a ser pago, mesmo antes do consumo. Você concorda e ao erguer a tampa ele revela um prato simples com uma colher e um copo de água do lado. No prato você vê um montículo de serragem. Serragem. O garçom explica que o preço é saborear a serragem e beber a água, após a refeição principal. Em algo que parece ser uma provocação o garçom pergunta mais 3 vezes se você tem certeza. Quando você responde pela terceira vez que sim olhando para o estranho preço no prato ele tampa bruscamente a bandeia, fazendo um estrondo terrível no salão e fechando a cara. Em fúria ele sai e retorna outro minuto depois com a entrada.

De volta com o sorriso ele lhe serve o seu café da manhã preferido. Seja ele qual for. Ao comer a primeira garfada a mesa se transfigura naquele seu lugar favorito para tomar café, seja uma mesa de avó, seja um sofá no seu apartamento, e o gosto é perfeitamente igual e maravilhoso, tudo que deseja, o garçom lhe traz. A parte que você estranha é a seguinte: Você não se sacia nunca, mesmo comendo quilos e saboreando o paraíso de suas melhores memórias. Pergunta ao garçom e ele lhe responde que é assim mesmo, que os ingredientes são finíssimos e levíssimos. Então, quando você estiver enjoado de café da manhã, após alguns minutos comendo, ou algumas horas, você pede o prato principal. O garçom lhe informa que logo servirá.

Conforme ele traz mais bandejas a mesa aos poucos se transfigura nas suas melhores memórias de almoço, nas mais felizes, nas situações mais diversas, e todo o seu desejo culinário é realizado, você come de se entupir e não se sacia nunca, mas tudo bem, o gosto está maravilhoso mesmo.

Após o tempo que for que você levou no almoço, o garçom lhe trás a janta, seguindo o mesmo padrão das outras duas refeições, infinita em sabor e quantia, mas sem lhe encher o estômago.

Segue-se, por fim, a ceia e, finalizando, uma rodada final de tudo do que você mais ama comer na vida. Ao dar a última garfada antes de se entediar com a maravilhosa refeição, finalmente você se sente satisfeito. O garçom retorna e lhe pergunta se é tudo, se não deseja ficar mais tempo, mesmo tendo ficado por ali já horas, dias, ou até semanas, como preferir, e segue o mesmo padrão, lhe pergunta muitas vezes até ter certeza que você quer mesmo ir embora e quer pagar a conta.

Feliz como nunca esteve antes em sua vida, se sentindo revigorado e refeito, pronto pra enfrentar qualquer demônio que aparecesse dali pra frente após ser tão bem tratado, levando em conta a vida miserável que esteve levando nos últimos tempos, você, satisfeito, paga a conta sem reclamar.

Um prato de serragem com água.

Você come e é exatamente isso, serragem e água, sem sabor, sem apelo, só serragem seca e água.

Ao terminar o prato você se sente empanturrado. Cheio como nunca antes.

O garçom lhe agradece a presença e quando você se sente preparado, se levanta e vai até a saída. O recepcionista lhe agradece e agora você nota como ele o o garçom parecem ser irmãos.

Quando olha para trás pra tentar ver o restaurante mais uma vez, nada mais existe. Simplesmente evaporou. Então, sem questionar as esquisitices da noite, você se vira e quando pisca os olhos está em sua cama, olhando para o teto, e então dorme.

No dia seguinte segue para sua rotina diária e vai tomar seu café, comer seu cereal, seja lá o que for, e, o menos esperado lhe acontece. Um medo terrível vai tomando conta de você.
O gosto é exatamente o último que você provou. Serragem. Até a água. Cada sabor se tornou serragem.

Você corre de bar em bar, restaurante em restaurante, comendo como um louco, sem fome, mas sem se saciar, e sentindo o terrível gosto da serragem em cada mordida de cada prato diferente.

Por dias a fio você vive nesse desespero, sem fome, com vontade de comer para sentir sabor e  sem se saciar, com gosto de serragem em tudo. O sal não ajuda, nem molhos, eles também tem o terrível sabor. Absolutamente tudo.

Então você desiste, não vê saída para a atual situação.

Alguns se matam em dias, outros passam o resto da vida tentando voltar para o restaurante repetindo o processo do pão e da água e do isolamento mas tudo que conseguem é mais desespero. Não há volta.

Você provou a melhor refeição de sua vida, o quanto quis e o quanto pode. Foi avisado do preço e o pagou consciente e satisfeito.

Se lembrando ainda daquela noite você vasculha suas roupas que foram usadas para lavá-las e em um dos bolsos encontra aquele papel branco vazio que o recepcionista lhe entregara. Ao virá-lo uma simples mensagem em letras pretas e cordiais informam:

"Satisfação garantida, não realizamos devoluções."

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Besouro


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Caso Psicótico - Distúrbio mental violento - Nº: 318
Registrado Na 16ª D.P de SP, São Paulo, Vila Clementino para transferência do detento de solitária para sanatório mais próximo e mais rápido o possível. Detento com tendências suicidas. Segue anexado em documento informações e registros.

Nome: Aldo Pereira Coutinho
Idade: 18
Nível do Distúrbio: Grave

Registro digitado a partir do relato gravado em áudio da parte do paciente, para futuros estudos:

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"Meu nome é Aldo. 18 anos. Não sei se devia ou não estar aqui, não faço idéia mesmo. Sei que me deixaram com essa merda de gravador ligado e me disseram pra contar o que aconteceu. Não sei de mais nada, sinceramente, se mereço ou se quer estar vivo, mas por falta do que fazer, ou falta de opção, vou contar o que me lembro dessa merda toda.

Começou do jeito mais comum o possível, algo que me parecia idiota a princípio provou ser bem mais sério do que eu imaginava. Voltava do jogo de futebol com o pessoal, e quando passamos perto dos arbustos do caminho, ouvi muitos sons de grilos, besouros, insetos em geral. E vi vários, também. Haviam muitos para ser normal. Tomei um puta de um susto e pulei para trás, mas ainda assim um veio voando na minha direção, um besouro verde escuro, do tamanho de uma bola de gude.

Me debati e esperniei, acertei quase todo mundo com socos e pontapés pra me livrar do besouro, mas ainda assim o filho da puta sumiu da minha visão sem ser morto. Ainda ouvia o barulho dele, mesmo com todos gritando e perguntando se tinha enlouquecido. Me acalmei aos poucos e fui me levantando, me apoiando no chão, quando olhei para minha mão no asfalto e vi um relevo, do tamanho de uma bola de gude, por debaixo da minha pele.

Gritei, sacudi a mão e tampei o relevo. Ofeguei e relutei até tirar a mão de cima, mas quando o fiz, estava tudo bem. Nenhum sinal de caroço absurdo sob a pele. Só uma sensação incômoda de algo estar errado. Todo mundo me encarando estranho e rindo de mim. No caminho de volta até minha casa, vim conversando e citei o arbusto cheio de insetos. Ninguém mais tinha visto nem ouvido inseto algum. Ri. Não sei de que, mas ri. Resolvi só esquecer.

Fui tomar meu banho, bem mais tranquilo, quando notei que meu nariz sangrava. Fiquei muito assustado e sem entender direito a situação. Num instinto, fiquei olhando para o sangue, sem saber o que fazer. Então começou o inferno. Um zumbido, bem baixo, daqueles que moscas, mosquitos ou pernilongos fazem quando passam perto do seu ouvido. Agoniante. Esbofetiei meus ouvidos para afastar seja lá o que fosse, mas não sumia. O som começou a aumentar.

Cai no chão do banheiro e comecei a chorar feito uma moça... Não sabia o que fazer, só doia em meus ouvidos e ficava cada vez mais alto. Comecei a gritar e me debater. Então vi mais uma vez. Na minha barriga, o relevo, o caroço, o maldito inseto por debaixo da minha pele. Em segundos me levantei, me debati e quebrei a porta de vidro do box, cortando meus dedos no processo, tentando me livrar do inseto que corria por debaixo da minha pele por todo meu corpo. Todo. Meu. Corpo. Quando comecei a vomitar por não aguentar mais ver aquilo, meu Pai já havia entrado no banheiro acompanhado de minha Mãe. Ela já chorava mesmo sem saber o que acontecia, por ter visto minhas mãos cheias de sangue e o box destruído... Meu Pai me conteve e me sentou na privada. Me perguntou que porra estava acontecendo. Chorei, chorei, engasguei e desmaiei.

Acordei em meu quarto, com curativos nas mãos e um médico saindo, apertando a mão do meu Pai e dizendo que ficaria tudo bem. Que havia sido apenas um ataque, talvez hormonal ou emocional. Relativamente comum entre jovens sob tanta pressão como eu provavelmente era...

Quando meu pai voltou para meu quarto e ouvi o barulho da ambulância indo embora, fingi dormir e esperei ele fechar a porta. Assim que ele saiu eu me levantei e procurei no meu corpo pelo maldito. Não achei em lugar algum, e também não ouvia o zumbido. Deveria estar tranquilo, mas o silêncio mortal daquela parte do bairro e o tic-tac do relógio só me agoniavam de modo estranho.

Deitei. Divaguei. Conversei comigo mesmo sobre minha situação. Não fazia o menor sentido. Andei pelo meu quarto e mexi nas minhas coisas. Relaxei, me senti melhor. Minhas mãos nem doíam tanto, só quando dobrava os nós dos dedos ou cerrava os punhos...

Me sentei na cama, bem mais relaxado depois de um dia tão estranho. Domingo. Ainda eram duas da tarde. Meu Pai entrou no quarto e eu logo disse que queria falar sobre o que aconteceu mais tarde, mas que estava tudo bem. Ele entendeu e me ofereceu um lanche. Aceitei, e em minutos ele voltou com uma bandeja, com pão, manteiga, queijo e suco. Agradeci e bebi o suco. Ele saiu do quarto. Olhei para a bandeja, respirei fundo e senti uma pontada no peito.

Me joguei para trás e vi o besouro debaixo da minha pele de novo. Agora não tinha mais medo dele. Tinha raiva. Ia matar ele. Vi ele descendo até perto da minha cintura, me joguei e peguei a faca de serra que veio com o pão e depois de pensar duas, três, quinze vezes, enfiei a faca no começo da minha virilha, bem rente ao maldito, que não se mexeu. Quando comecei a cortar a pele ao redor para tirar ele de mim, meu pai abriu a porta de novo.

'Puta que pariu, moleque!'. No susto, olhei para ele, e quando olhei de volta, o besouro havia sumido. Só havia um semi círculo na minha virilha e bastante sangue. 'Caralho, moleque, caralho!', gritou meu Pai. Olhei para ele com medo, não dele, e sim do que vi no rosto dele. Bem do lado do seu olho, o besouro. Entrou pela fresta do globo ocular e se fixou acima. Um calombo acima do olho do meu Pai. E ele não reagiu, parecia não sentir nada, sequer notar algo invadindo seu rosto. Não pensei duas vezes.

Voei com a faca no rosto do meu Pai, que esquivou, cortei um pouco de sua testa. Me desarmou com um soco, que logo devolvi, bem no meio do rosto, em cima do besouro. 'Agora você tá fudido, moleque'. E eu levei a maior surra da minha vida. Não conseguia encarar meu Pai enquanto apanhava. O besouro havia mudado ele, mudado seu rosto. Era como uma máscara vermelha com expressões exageradas... terrívelmente doentio.

Lembro de minha Mãe tentando conter ele e de desmaiar de novo.

Acordei preso com algemas e dentro de um cubículo preto. Com novos curativos. É... era uma solitária. Ouvi mais uma vez uma conversa, dessa vez, de um homem com minha Mãe. 'Precisamos manter ele aqui, senhora, enquanto a ambulância do sanatório não chega. É pela segurança de todos, principalmente, a dele mesmo'. Ouvi minha mãe chorar e seu choro se afastar nos corredores.

A mais ou menos uma hora atrás vieram me amarrar com cordas para evitar qualquer movimento. É... eu estive me jogando contra as paredes desde que ele voltou a aparecer sob minha pele. Podia escutar ele andar pelos meus músculos, tendões, juntas. Indiscritivelmente nojento.

Me amarram. Só posso observar e sentir enquanto eles rastejam sob minha pele. Sim, não é só mais um. Ele colocou... Colocou ovos debaixo da minha pele, e alguns já se abriram. Vários circulam pelo meu corpo e mais estão por vir, das dezenas de ovos que ele pôs...

...Acho que quero morrer...

...Por favor...

...Me matem..."

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Observações médicas adicionais: Série de hemorragias internas de caráter e origem desconhecidos. Paciente contorce o corpo em movimentos involuntários enquanto chora. Não dorme, não come, não urina ou defeca normalmente.

São Paulo, SP, 11/03/2011.


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Caso Psicótico - Distúrbio mental violento - Nº: 319
Registrado Na 16ª D.P de SP, São Paulo, Vila Clementino para transferência do detento de solitária para sanatório mais próximo e mais rápido o possível. Detento com tendências suicidas. Segue anexado em documento informações e registros.

Nome: Fernando Rael Nunes
Idade: 23
Nível do Distúrbio: Grave

Registro digitado a partir do relato gravado em áudio da parte do paciente, para...

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Unfu

Do vale vem vindo uma imagem turva que não se julga ainda o que deve ser, por puro temer, ou não saber o que há de ser, se julga agora que se aproxima talvez por pura sina uma imagem feminina com traços de menina sim deveras se aproxima.

O olho aperta e acerta a imagem vem direta se de certo é uma pessoa não se sabe moça ou velha mas pelo andar e pelo jeito logo vai chegar.

Não me considero infortunado por não enxergar nenhum palmo por saber ainda sentir pude distinguir aqui e ali o que seria bom ou ruim, cheguei a conclusões conclusivas e a decretos certeiros, mas agora nada posso fazer, a poucos passos de mim está, a imagem feminina, que do vale se aproxima, velha moça larga ou fina, sei que é mulher e ensinar é o que lhe inspira - Doravante a palavra a mim dirige e em doces sílabas prossegue, sem rima, tom ou prece, apenas de minha surrada imagem se padece, largando suas palavras..;

"Velho do vale que de longe me admiravas, agora que aproximei-me de ti, vejo nata em tua vista, olhos vazios e rosto seco, serias deveras cego ou de fato morto sem enterro?"

"Em tuas palavras sinto-me confuso, de fato cego sem enterro, sem motivo, de meu lugar não saio, guio-me pelo que sinto, pelo que ouço, cheiro e percebo, mas tu me és impossível de julgar, se de fato te vejo, te cheiro, te sinto ou ouço, não consigo dizer se és jovem, moça ou velha, e prefiro não considerar se és morta ou viva, e por fim me pergunto que fazes em vale tão negro e sombrio?"

"Buscava algo e por divagação me esqueci, por certeza não sei se um dia soube o que quis, apenas vagamente me lembro de um forte vento que me acompanha ou me leva, como aqui vim parar, de onde vim ou para onde vou, não consigo lembrar ou imaginar, este vazio não ajuda a piorar a sensação de não estar em seu lugar?"

"Se consideras o vale, natural que o vejas vazio, mas se sentes essas paredes de pedra seca e sem sentimento pelas quais fino filete de luz e ar misturado a poeira fazem seu caminho até cá em baixo, bem cheia esta imensidão se encontra, ponto de vista ou opinião. Agora por fim, se intentas me dizes, sabe-se lá o que, já que andas sem memória e cá em baixo nesse vale não tenho histórias a contar."

"Como outrora disse, buscava e me perdi, vagueio e espero na ponta de meus dedos achar caminho talvez para fora daqui."

"A muito tempo não sentia dor, mas para dar tal horrível notícia a criatura de teu esplendor, sinto-me culpado, portador de um terror... De vale tão profundo e sombrio não há para fora um caminho, assim como não te lembras de como aqui veio parar, eu, por talvez puro azar, também não consigo recordar, a quanto tempo sentado devo estar, em velha cadeira de vime, recostado a divagar, pensar, esperar. Tenho somente uma coisa por certeza; não se sabe o caminho para cá, mas acaba-se chegando já, porém saída não encontrarás, isso sim posso afirmar."

"De onde vem tua certeza não importa, percebo aqui em mim que da verdade gosto, e ela sinto em teu falar, julgava pressuroso lhe levar, mas noto que quanto mais tardar, frutos tu possas me dar. Serventia, histórias ou memórias. Uma grande recordação de tudo que já se passou em uma alma, talvez. Ficai pois em teu vale, homem velho a divagar, julgar, culpar e pensar."

"Por meus escassos cabelos e meus ralos bigodes, porque, mulher, falais tal qual a morte?"

"Sou a vida, a sina, a morte divina, justiça definida, sou misericórdia e menina. Natureza ou surreal, mas de fato sou mulher. Tudo governo e força suprema sou, mas sobre ti, velho do vale, insegura estou. Sois imortal e onisciente - apesar disso inconsciente - levar-lhe da matéria deste teu corpo inativo seria libertá-lo, e para que ao meu poder, para que não possa ameaçá-lo, intacto o conservarei, escondido em teu vale, inofensivo e calado."

Suave e quieta foi, brilhante e radiante, mas sem luz irradiar, do vale saiu sem muito tardar, levitando e flutuando, sem precisar andar. Rancor não hei de guardar e sequer meu ego há de se inflar, por suas palavras haveriam de me agradar ou assustar, não me importa todo seu falar. Só não sairei de meu lugar, se por infortúnio ou alegria ela aqui voltar tentando escuro vale iluminar, apenas gentis palavas espero de novo poder trocar.


versinhos

E meu amor
Quando as cores acabarem
E todas as rosas secarem
Procurarei-te em outros lugares
Procurarei não esquecer da tua imagem
[mas minha memória não ajuda em nada
Olha lá no canto mais longe
Tem um espaço bem grande
Onde crescem lírios, cravos e margaridas
Amarelas perdidas
De cheiro clichê
Me agrada a Jasmim
Tanto a flor quanto a pessoa que vive em ti
Sufoquei meu pranto em sorriso largo
Me enganando e seguindo meus passos
Eu me perdi no caminho de mim mesmo

Aqui
Longe de ti
Não que não vá voltar
Ou somente esperar
Mas o amargo do momento
Que não possui muito alento
Dá vontade de chorar...
E faz nascer aqui do fundo, do meu peito vagabundo,
poesia nota e som.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Futuro (Ou presente, ou passado;memória) - Masoquismo Mental - Uma Repostagem


- Futuro -


"Dois computadores. Ele de um lado da tela, e ela da outra, muitos quilômetros de distancia. Conhecem um ao outro como ninguém, mas não se conhecem pessoalmente.Vidas diferentes, mas sentimentos iguais. 
Ele: De que ano você tem mais saudade?
Ela: 2012, quando a gente se encontrar."


Fonte: Masoquismo Mental .